quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Profanados Desejos Sublimes

Era gondoleiro, de um coração tão puro que só sabia desejar pelos suspiros de outros, cantando pelos canais o amor que não era seu, mas a quem o destino pertencia, como com o desse casal que por um momento era seu. Vagueando fazia questão de se perder pelas ruas labirínticas do seu mapa astral, cobrando-se mais do que acabava por pedir.

Até um dia em que o pretenciouso amante troca por cobres um amor esvaziado numa menina escravizada. E o Fez aguardar eternidades o finalizar do serviço pagando a sujos cobres o regresso com outras duas em cada braço. Vazava-se assim no bolso o dia mais duro em que as suas cordas tocavam a rangências estremecentes, trocadas por diamantes em sangue. O seu coração amoleceu, e como que adormecendo com o leme na mão, a sua paixão deixou de palpitar tombando no leito pantanoso do seu caminho. Morreu-se-lhe então a sua morte.

Espanto seu reencarnou-se à beira de Amazonas peladas que o dançaram noites e noites a fora, rio acima rio abaixo tenda dentro tenda agora... que cansado de tanto frenesim entediou-se uma manhã à beira água. Por entre a areia um brilho faiscou-lhe um brilhante futuro e vai de começar a pepitar e de pepita em pepita limpou de areia o prato. Ainda que não soubesse o que fazer ao que encontrava, decidiu garimpar um rotundo coração dourado. Um dia completou por fim, entre lenços assoa mágoas, a jóia coração que desembrulhada valia mais quilates que qualquer uma das Amazónias que lhe estendiam a rede, e até mais do que todas juntas, assim lhe pareceu. E estremecido assaltaram-lhe as imagens de alianças quebradas e jantares rouba dentes, e noites tira meias, causa das lágrimas enchentes imunda rio afoga margem. Desanimado acabou por sentir que aquele coração valia mais do que o seu e cheio desse vazio acabou por jogá-lo ao rio, trocando a imagem que se afogava reluzente por uma chuva talvez de estrelas que cantando caiam do céu. Nesse momento pediu-lhes arrependido o seu coração desafinante de volta e alguém que o aceitasse.

Fechou os olhos e desejou com tanta força que se retomou a cantar, reafinando de amores as avenidas tombolantes. E no seu coração a remos, um casal apressava insolente o seu despertar, desbaratando-se com champagne e um pires de caviar, sob a tradicional ponte dos amores toca disco riscado troca beijo arriscado. Aí a visão de um coração dourado roubado a sonhos de amazonas, de quem o infiel se vai despedindo ao longo do trajecto. E então o coração negro de volta às mãos sujas de um Cortés americano virando Niña conquistadora a sua caravela da São Gabriel. E vai de virar Quixote armado tal Padeira correndo à paulada o conquistador infiel. Tombado na água, jóia voando ao fundo perdida pelos céus. Ri-se perdida a donzela alheada, ri-se o público alvo, ri-se a praça inteira ainda que vazia, menos o remador ensandecido que a dor era profunda, e na sua mente sua. E o desespero molhado afogava a intenção romântica do Castelhante afundado no lodo de tanta ganância que por um momento captou a gentileza de tão subtil donzela, que lhe estendendo a mão se arrastou como âncora ao fundo. Virou lama e lodo e drama e dama inundada e dama enternecida por um sorriso parvamente sintonizado, e dama vira chama, e rio vira cama de paixão da que nunca um dia verão, borbolhante pantano horrífica visão cinematográfica de amor. O gondoleiro derrotado sente vingado o seu destino, arremetendo-se a caminho cumprido o seu total desígnio enquanto espectador. Nem sentiu assim o desígnio do meteorito dourado que tombando lhe rachou na cabeça a peça final: FIM.

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